FEDERAÇÃO DA AGRICULTURA E PECUÁRIA DO ESTADO DO TOCANTINS

O perigo de flertar com a inflação Por Kátia Abreu*

O ex-jogador de futebol Sócrates, morto em dezembro passado, costumava comemorar seus gols com um gesto singelo. Braço estendido e punho cerrado, às vezes acompanhado por discreta corrida em direção à torcida. Era como se quisesse dizer que não havia feito mais do que a sua obrigação.

Pois bem, braço estendido e punho cerrado -sem corrida à torcida- é o máximo que o Banco Central deveria se permitir para comemorar o cumprimento da meta de inflação em 2011. Em vez disso, o BC bateu bumbo e foi para a galera. Só faltou subir no alambrado.

Não foi adequado. Primeiro, porque não fez mais do que sua obrigação. Segundo, porque a inflação do ano passado ficou exatamente no teto da meta, que é de 6,5%.
Neste ano, simplesmente cumprir a meta não é suficiente. O BC precisa fazer com que a inflação convirja consistentemente para 4,5%. Infelizmente, há dúvidas se isso será possível.

O controle da inflação exige a combinação de disciplina fiscal e monetária. Mas os economistas nos ensinam que isso não é suficiente. As expectativas dos agentes econômicos também desempenham papel fundamental na tarefa de controlar a inflação. A explicação é simples. Os empresários, quando fixam preços, e os trabalhadores, quando reivindicam aumentos salariais, levam em conta suas expectativas quanto à inflação futura.

Se perceberem que a política econômica é tolerante à alta de preços, vão calibrar para cima preços e salários, o que alimentará a inflação e, ao mesmo tempo, elevará os custos para combatê-la no futuro.

E a tarefa de convencer o distinto público de que o alvo é 4,5% fica ainda mais complicada quando declarações de algumas autoridades nos levam a pensar que o governo estaria disposto a tolerar uma inflação um pouco mais alta para garantir crescimento econômico mais robusto.

Esse é um erro monumental. Especialmente no Brasil, cuja economia, em passado relativamente recente, foi corroída por anos de inflação desenfreada. São apenas efêmeros os efeitos positivos que o relaxamento do combate à inflação pode produzir sobre a economia.

Duradouro mesmo é o efeito corrosivo da inflação sobre a renda das pessoas, especialmente das mais pobres, que, normalmente, não têm instrumentos para se defender da alta dos preços nem meios para garantir que suas remunerações sejam reajustadas de acordo com a inflação passada.

Avaliar que um pouco mais de inflação não faz mal é como dizer a uma pessoa obesa que está empenhada em emagrecer que um pedaço a mais de bolo não lhe fará mal algum. Certamente ela não se restringirá a apenas esse pedaço.

Como disse corretamente a presidente Dilma na mensagem que encaminhou ao Congresso por ocasião da abertura dos trabalhos legislativos de 2012, a condução da política econômica neste ano exigirá "disciplina e ousadia". Ousadia inclusive para cortar pela raiz qualquer flerte com a inflação.

*KÁTIA ABREU, 50, senadora (PSD-TO) e presidente da CNA (Confederação da Agricultura e Pecuária do Brasil), escreve aos sábados, a cada 14 dias, no Caderno Mercado do Jornal Folha de S.Paulo
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